sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A identidade gastronómica de Portugal

Ainda que a comida possa parecer ser um elemento cultural muito importante, é sem dúvida essencial para a identidade duma comunidade, e isso em vários níveis. Vamos tentar vê-lo com o exemplo da importância cultural da gastronomia portuguesa.
Primeiro temos que compreender porque razão a gastronomia pode ser considerada um elemento cultural importante, até mesmo um elemento do património. Segundo a UNESCO, o patrimônio imaterial cultural é as práticas, as representações, as expressões, os conhecimentos e as capacidades transmitidas numa comunidade de geração em geração. Deve ser ao mesmo tempo tradicional e contemporâneo, ser capaz de integração, ser representativo duma comunidade e ser reconhecido por isso. É bastante evidente que a arte culinária responde a todos estes critérios. É uma prática mas também um conhecimento e uma capacidade que se transmite a cada geração, seja oralmente ou através de receitas escritas. Esta transmição é uma maneira de conservar uma tradição mas atualizando-a de cada vez, conferindo-lhe o seu caráter passado e contemporâneo. Demonstra capacidade de integração com os várias mudanças que efetua cada vez que aparecem novos alimentos ou com a adaptação de alguns pratos vindos de outros países. Para terminar com a generalização, temos que admitir que geralmente a comida  é  aceite pela sua comunidade porque  ela continua a fazê-la e a comê-la. A questão da representação que a comida é para a sua comunidade é mais complicada porque algumas culturas culinárias misturam-se tanto com outras que não podem ser consideradas própias de uma só comunidade,  mas comuns a várias. Acho que é nesta questão da representação que podemos verificar o elemento determinante que nos permite saber se uma comida é ou não um elemento cultural de uma comunidade. Então, qual é o caso da comida portuguesa?
Primeiro, a gastronomia portuguesa cumpre muito bem os dois critérios de tradição e de modernidade. Podemos comprová-lo com os menus dum restaurante  que propõe uma grande variedade de pratos compostos de bacalhau, uns vinhos próprios de Portugal, o uso importante do azeite, etc. Estes elementos tradicionais são atualizados por chefes como Avillez que, durante a Gastronomika 2015, fez pratos  “de memória” numa competição moderna . Quanto à integração, é tão importante na comida portuguesa que quase é um dos seus elementos próprios: com a colonização, foram importados alimentos do Brasil, da Ásia ou de África que foram integrados na cozinha local, nomeadamente o uso de especiarias, de feijão, de batata, que são agora produtos essenciais.
O caráter representativo da gastronomia aparece pelo comportamento dos que a praticam. A gastronomia não determina somente o que se come mas a maneira de viver dum grupo. Assim, a existência de numerosos nomes para o café em português é a prova da importância deste alimento. A existência de um termo para uma quinta refeição na noite demonstra um comportamento que não existe em todos os países. Mais a representação é sobretudo visível desde afora: se estrangeiros reconhecem a singularidade da comida portuguesa é porque deve ter algo de representativo. Efetivamente, notamos que um autor como o italiano Antonio Tabucchi celebra a comida portuguesa como única nos seus romances . A presença de restaurantes de comida portuguesa como A Casa Portuguesa  é também revelador de um reconhecimento internacional dessa comida.
Chegamos à pergunta do reconhecimento pelos próprios portugueses. Outra vez o simples fato de os portugueses continuarem transmitindo essa tradição é uma prova de que pelo menos a reconhecem como um elemento essencial do seu quotidiano. Outra prova é o lugar importante da gastronomia em fontes de informação como a página Wikipédia de Portugal  ou um sítio de turismo oficial de Portugal . Mostram que a sua gastronomia está reivindicada por Portugal como um elemento original e próprio da sua cultura.
Penso concluir nesta ideia de reivindicação. Mais que simplesmente reconhecê-la, Portugal reinvidica a sua gastronomia, tornando-a num elemento identitário e nacionalista. Assim têm organizado um Dia Nacional da Gastronomia para celebrar nacionalmente os seu patrimônio culinário, o último domingo de maio, como podemos ver neste artigo . Vou terminar com uma citação do chef português que participou na Gastronomika 2015 de San Sebastian (evento culinário internacional): “Estamos ao lado de Espanha, mas temos uma identidade própria”, afirmação clara e direita duma identidade determinada por uma singularidade culinária.


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