Ainda
que a comida possa parecer ser um elemento cultural muito importante, é sem
dúvida essencial para a identidade duma comunidade, e isso em vários níveis.
Vamos tentar vê-lo com o exemplo da importância cultural da gastronomia
portuguesa.
Primeiro temos que compreender porque razão a gastronomia pode ser
considerada um elemento cultural importante, até mesmo um elemento do património.
Segundo a UNESCO, o patrimônio imaterial cultural é as práticas, as
representações, as expressões, os conhecimentos e as capacidades transmitidas
numa comunidade de geração em geração. Deve
ser ao mesmo tempo tradicional e contemporâneo, ser capaz de integração, ser
representativo duma comunidade e ser reconhecido por isso. É bastante evidente
que a arte culinária responde a todos estes critérios. É uma prática mas também
um conhecimento e uma capacidade que se transmite a cada geração, seja
oralmente ou através de receitas escritas. Esta transmição é uma maneira de
conservar uma tradição mas atualizando-a de cada vez, conferindo-lhe o seu caráter
passado e contemporâneo. Demonstra capacidade de integração com os várias
mudanças que efetua cada vez que aparecem novos alimentos ou com a adaptação de
alguns pratos vindos de outros países. Para terminar com a generalização, temos
que admitir que geralmente a comida
é aceite pela sua comunidade
porque ela continua a fazê-la e a
comê-la. A questão da representação que a comida é para a sua comunidade é mais
complicada porque algumas culturas culinárias misturam-se tanto com outras que
não podem ser consideradas própias de uma só comunidade, mas comuns a várias. Acho que é nesta questão
da representação que podemos verificar o elemento determinante que nos permite
saber se uma comida é ou não um elemento cultural de uma comunidade. Então, qual
é o caso da comida portuguesa?
Primeiro, a gastronomia portuguesa cumpre muito
bem os dois critérios de tradição e de modernidade. Podemos comprová-lo com os
menus dum restaurante que propõe uma grande variedade de pratos compostos
de bacalhau, uns vinhos próprios de Portugal, o uso importante do azeite, etc. Estes
elementos tradicionais são atualizados por chefes como Avillez que, durante a Gastronomika 2015, fez pratos “de memória” numa competição moderna . Quanto à integração, é tão importante na comida
portuguesa que quase é um dos seus elementos próprios: com a colonização, foram
importados alimentos do Brasil, da Ásia ou de África que foram integrados na cozinha
local, nomeadamente o uso de especiarias, de feijão, de batata, que são agora
produtos essenciais.
O caráter representativo da gastronomia aparece
pelo comportamento dos que a praticam. A gastronomia não determina somente o
que se come mas a maneira de viver dum grupo. Assim, a existência de numerosos
nomes para o café em português é a prova da importância deste alimento. A
existência de um termo para uma quinta refeição na noite demonstra um
comportamento que não existe em todos os países. Mais a representação é sobretudo
visível desde afora: se estrangeiros reconhecem a singularidade da comida
portuguesa é porque deve ter algo de representativo. Efetivamente, notamos que
um autor como o italiano Antonio Tabucchi celebra a comida portuguesa como
única nos seus romances .
A presença de restaurantes de comida portuguesa como A Casa Portuguesa é também revelador de um reconhecimento internacional dessa comida.
Chegamos à pergunta do reconhecimento pelos próprios
portugueses. Outra vez o simples fato de os portugueses continuarem transmitindo
essa tradição é uma prova de que pelo menos a reconhecem como um elemento essencial
do seu quotidiano. Outra prova é o lugar importante da gastronomia em fontes de
informação como a página Wikipédia de Portugal ou um sítio de turismo oficial de Portugal . Mostram que a sua gastronomia está reivindicada por
Portugal como um elemento original e próprio da sua cultura.
Penso concluir nesta ideia de reivindicação. Mais
que simplesmente reconhecê-la, Portugal reinvidica a sua gastronomia,
tornando-a num elemento identitário e nacionalista. Assim têm organizado um Dia
Nacional da Gastronomia para celebrar nacionalmente os seu patrimônio culinário,
o último domingo de maio, como podemos ver neste artigo . Vou terminar com uma citação do chef português
que participou na Gastronomika 2015 de San Sebastian (evento culinário
internacional): “Estamos ao lado de Espanha, mas temos uma identidade
própria”, afirmação clara e direita duma identidade determinada por uma
singularidade culinária.
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